terça-feira, 25 de maio de 2010

Relógio Cuco


Relógio Cuco
Guilherme Nery

Aquele antigo relógio cuco já não me assusta mais, depois de algum tempo longe daquele lugar, mais vivido e menos ingênuo, e com a certeza de que os tempos não voltam.
Volto lá depois de muitos anos, tudo estava no mesmo lugar, porém já não sentia aquela presença tão imponente e respeitada, agora, já idosa e de alguma forma regredida.
Comecei a lembrar dos momentos da infância, fazendas, playgrounds e por onde passava seu gênio forte impressionava e impunha respeito mesmo não merecendo.
Depois de tanto tempo fora, já desapegado a imagens; e consciente do futuro e suas incertezas. Sentei-me na sua cadeira favorita, ele passava horas ali, fumando e pensando. De frente estava aquele antigo relógio cuco que me matava de medo quando criança. Fiquei pensando em quão inocente era o medo que eu sentia. O relógio era negro e obscuro, estranhamente empoeirado, assim como o resto da casa de meus avós, que me remetia a cheiro de poeira e coisas antigas, creio que paradas no tempo. Creio que meu subconsciente associava esses abjetos e adjetivos ao medo e ás incertezas de uma mente ingênua de criança, agora já adulto e menos susceptível à coisas do tipo.
Comecei a lembrar dos últimos dias em que vi meu avô com vida, se é que se pode chamar aquilo de vida, ele estava tão regredido que não se parecia em nada com o poderoso e imponente homem que outrora mandava e desmandava na cidade
Minha avó veio então se sentar ao meu lado, me afastei na cadeira para que ela pudesse sentar-se junto a mim. Ela me abraçou forte e começou a chorar. No mesmo instante eu lembrei-me de como ele tinha sido ruim para ela, fazendo-a passar por muitas coisas desnecessárias e sem sentido. Mas percebi que era coisa de época, eu, mais evoluído que ele em termos de cultura julgava-o de forma incorreta, aliás, quem era eu para julgá-lo.
Nos últimos meses de vida, já meio alienado e infantil sua doença o fazia lembrar apenas das coisas mais felizes e rotinas do passado, bem distante e bastante feliz.
Ele morreu, e junto com ele, morreu meu medo do obscuro relógio cuco.

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